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Célio Braga  ‘Oh! Dores!’



Gilmar Camilo


"A arte não é um espelho para refletir o mundo,mas um martelo a forjá-lo."
(Wladimir Maiakovski)  

Alguns artistas têm uma relação tão visceral com o tempo em que viveram que, de certa forma, ajudam a reinventá-lo. A obra realizada por Célio Braga espelha os processos e tentativas de retê-lo, evidenciando que o ato não deixa de ser melancólico, ao inventariar perdas, ruínas, em uma espécie de busca por indícios da tão aspirada fonte da vida. 

A mostra Abluções, que foi exibida anteriormente no Museu Victor Meirelles, em Florianópolis - SC, chega, agora, a Museu de Arte Contemporânea de Goiás, ocupando o amplo espaço da Galeria D.J. Oliveira com novos, antigos e inéditos trabalhos, bem como obras específicas para o espaço do museu. Postulam uma perspectiva de 16 anos de sua produção artística ao longo de 60 obras emblemáticas e significativas.

Somos levados a percorrer silêncios e murmúrios lancinantes, caminhar e enxergar tantos brancos a perder de vista, espectros das supostas presenças e/ou ausências que inoculadas pelas lembranças, nos revelam possíveis pistas nesses profundos relatos visuais.

Na instalação Oh! Dores! (2002/2016) nosso olhar é desviado para uma enorme e alva parede incrustada de delicadíssimos desenhos feitos de cera, amalgamados a materiais de uso íntimo e cotidiano, como sabonetes, perfumes, talcos e óleos aromáticos. Materiais que fluem sentimentos confusos e uma enorme sensação de volatização da nossa existência.

O corpo físico, sagrado e sexual passeia ambiguamente pelos territórios mais íntimos e recôndidos, revelando gestos íntimos e os anseios da alma. Nos deparamos desde a série de obras Ex-votos (2006/2007) aos meticulosos bordados de Brancos (2001), bem como às alterações corpóreas de Camisas Brancas de 2001. Constituem-se memórias afetivas e visuais one a beleza, a força e a vitalidade sucumbem e revelam a fragilidade deste "corpo" em nossos dias. Filtrados e filmados pelo artista no vídeo Florir (2003) e na beleza plástica da vídeo-performance Walking on the flowers, retrato do artista enquanto catarse, liberdade e purificação.

A inquietude se faz presente a série Via Crucis, desenhos de uma brancura hospitalar, realizados com micro perfurações, aludindo a datas, prazos ou talvez a um novo calendário que o artista prescreve em versos doloridos sobre a glória da vida e/ou a sua finitude.

Descortinando as bulas prescritas pelo artista em Desvelar, avistaremos, nos objetos não-intitulados, o alívio e a dor nos registros da pele fotográfica, cirurgicamente desenhada pelas lâminas e dobras do papel.

Se aqui essas feridas estão expostas, há o espelho da série Mantos, ocultado por bordados e intervenções que escondem o desejo, o flagelo e a recusa à auto contemplação.

Ao final, a ambiência da mostra Abluções nos conduz à instalação No es oro todo lo que reluce. Vislumbraremos aqui a aurora dos dias vividos e, aos nossos pés, caixas de medicamentos envoltas em glitter e plantadas junto às belas flores de outrora, que repousam sobre um manto térmico dourado. Febre, histeria, contaminação e uma alegria insana nos arrola.

Gilmar Camilo
Curador do MAC | Goiás