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Lama e Arco-Íris Azul e Rosa



Douglas de Freitas


A produção de Célio Braga se debruça fundamentalmente no desenho. Seus bordados, objetos, fotografias, instalações e pinturas se constituem por desenhos que, memo em pequenos traços e fragmentos, é responsável por formar manchas e superfícies, possíveis peles que amplificam a discussão de corpo intrinseca as trabalhos.

O corpo na obra do artista é força e fragilidade. Na exposição apresentada na Galeria Pilar, os desenhos de Célio ganham a escala do corpo, e a dimensão monumental de céu, mar, ou ainda, pele. O corpo aqui é também ferramenta política de resistência. Tudo se constitui em tons de rosa ou azul e, em um dos trabalhos, assume a imagem da bandeira LGBT, em uma delicada discussão das politicas de educação e género dos dias atuais.

Bandeiras de corse espalham no espaço. De longe parecem monocromáticas, porém manchadas por pontos coloridos. As manchas são a base de construção dos desenhos, elas são alcançadas aleatoriamente através de um tingimento realizado previamente pelo artista com fragmentos de lápis de cor, e é esse acaso que marca o ponto de partida dos trabalhos.

É por cima desse suporte manchado que Célio desenha compulsivamente em pequenos traços fragmentados, pequenas constelações compostas em diálogo com as manchas iniciais marcadas nos tecidos. São essas pequenas linhas monocromáticas de lápis de cor, com distintos tamanhos e intensidades, que constroem a cor principal.

São desenhos diários, que duram vários dias, contam o tempo e se constroem de tempo.

Entre as bandeiras de Célio. uma bandeira real está posta. Pendendo da parede, a bandeira do Brasil se amarra à coluna da galeria com uma corda construida com diferentes materiais, entre retalhos de tecidos e fitas do senhor do Bonfim. Desgastada e manchada de lama, a bandeira traz ao seus ps outros elementos recorrentes no trabalho escultórico do artista. flores bordadas, lágrimas de porcelana. Entre monumento e lápide, lutando para se reerquer, esse trabalho se coloca entre outros dois, um rosto em sofrimento, e uma chaga que se abre na parade da Galeria. São trabalhos mais diretos sobre os tempos dificeis que assolam nosso país, entre tragédias e o medo.

Agnes Martin (1912-2004), cuja a pintura lembra os desenhos apresentados agora por Célio, certa vez afirmou que trabalhava "de costas para o mundo", e que assim construía seu universo de silêncio e delicadeza. Ao contrario de Martin, o trabalho de Célio Braga é feito de frente para o mundo, olhando para ele. A bandeira de Célio está hasteada, e ela é resistência. A potência aqui está na delicadeza construída do mundo. Está em desenhar ao longo dos dias a beleza e os dramas de viver no mundo em que vivemos, de estar vivo. De lembrar que somos únicos, mas que ao mesmo tempo, somos todos.


Douglas de Freitas
Galeira Pilar, São Paulo, Brasil - 2019